De: Lily Santos
Obra: Ao Luar
Cap. 4
Sonhos
Ela estava voltando da lanchonete, na rua do seu condomínio. Era apenas
uma humana com a leve sensação de estar sendo seguida, mas continuou seu
caminho. Até que chegou perto da árvore que ficava ao lado da entrada do seu
prédio, antes que pudesse entrar foi atacada, depois de sentir as perfurações
em seu pescoço pouco a pouco foi ficando fraca, mas algo aconteceu, o mundo não
apagou. De repente ela não estava mais caída no chão, não tinha mais um corpo,
podia ver tudo o que acontecia, via seu corpo no chão, via o outro corpo sobre
o seu, se alimentando do seu sangue, ela podia ver quem era... Queria gritar,
mas não tinha voz, não respirava mais, não haviam sensações físicas. Apenas a consciência de que estava fora de
seu corpo, e que podia ver o mundo. E podia ver com toda clareza seu
próprio assassinato.
Acordou. Com as presas a postos,
e com todos os seus sentidos muito aguçados pelo perigo. Aquele sonho a
atormentava desde que tinha se tornado vampira. O mais estranho é que sempre
que acordava não conseguia lembrar do rosto do vampiro que a atacava. Inicialmente
toda vez que ia repousar tinha esse sonho, no entanto depois de um tempo já não
sonhava tanto com isso. Mas a presença daquele humano havia mexido com suas
lembranças, e trazido coisas a tona. Ele estava investigando as mortes, logo
logo descobriria o que ela era.
Diferente do sono humano, os
vampiros apenas entravam num sono muito leve, servia para poupar energias e
aumentar o tempo antes do próximo ataque. Mas não era completamente inconsciente,
ela ainda era capaz de saber tudo o que ocorria a seu redor, quando os sonhos
aconteciam o estado de sono se aprofundava mais, mas nem assim era possível
entrar em estado de inconsciência.
Assim que acordou levantou da
cama, se vestiu, precisava caçar, e lembrou de uma presa especial, que vinha
acompanhando há algum tempo.
Ela era enfermeira de uma UTI,
Dara sabia que ela era uma assassina. Tinha métodos curiosos de trabalhar,
quase não deixava rastro, mas suspeitou dela quando ouvindo por acaso uma
conversa enquanto tentava roubar uma bolsa de sangue. Desde que enfermeira em
questão assumiu esse cargo as mortes na UTI subiram muito. A partir daí começou
a observa-la. Entendia exatamente seu modo de operar. Escolhia bem suas
vitimas, normalmente eram pessoas pouco visitadas pela família, com problemas
difíceis de tratar, que tinham tantas chances de sobreviver quanto de morrer, ás
vezes até menos chance de sobreviver. Então de um modo estranho ela começava a
tratar bem essas pessoas. As limpava com mais frequência, cuidava bem de suas
necessidades, até conversava com elas. Depois de pouco tempo aplicava uma
injeção letal que simulava parada cardiorrespiratória, como as pessoas já
estavam doentes, ninguém ia achar estranho, portanto não investigavam o sangue
em busca de drogas causadoras de morte. Assim ela podia matar a vontade e nunca
ser pega.
Dara gostava de observar esse
tipo de assassino. Por isso se candidatou pra trabalho voluntário naquela UTI,
lia para os pacientes duas vezes por semana, e depois de ler ficava circulando
por ali sem ser vista, como só uma vampira conseguiria. Assim ela podia colher
todas as informações. Tinha aprendido a se satisfazer com o prazer de
selecionar, observar e tentar ver pelos olhos de suas presas, afinal ela também
era uma assassina, e com razões bem específicas, matava para se manter viva,
matava seres de outra espécie, assim como os seres humanos matavam animais para
comer, não era uma escolha, era uma necessidade. No entanto desde que a morte
passou a ser uma entidade tão presente, determinando sua existência, ela passou
a pensar muito sobre ela. E nesse momento ela tentava entender o que levava um
ser humano a matar outro, de sua mesma espécie, sem nenhuma necessidade física?
Aquela enfermeira era mais um
caso engraçado, ela tinha uma necessidade de estar no controle, de mostrar que
podia cuidar, zelar, mas podia também matar, e viver como se nada acontecesse.
Era um caso especial, que estava guardando para um momento especial como
aquele, em que sua alimentação deveria ser um momento de esfriar a cabeça.
Não fazia tanto tempo assim que
tinha deixado de ser humana, mas naquele tempo de observação ela pode ver o
quanto sua antiga espécie era complicada. Hora os seres humanos cometiam
grandes idiotices por causa dos sentimentos, hora eles cometiam grandes
idiotices por ausência deles.
Naquela noite ela aguardou
paciente que a enfermeira saísse pra fumar, como fazia sempre a cada meia hora.
Mas não podia ser muito cedo, pois não queria atenção. Então por volta das 3:40
da manhã, quando tinha acabado o cigarro e estava voltando pro posto Dara
atacou. Ela estava no estacionamento, e foi atacada de uma maneira que nenhum
ser humano nunca espera ser. Como havia
aprendido com seu criador, ela tapava a boca de suas vitimas, mantendo o
pescoço esticado, quando acabou com a ultima gota de sangue, colocou o corpo
nas costas e correu em direção ao porto de Recife, que não ficava tão longe,
aquela hora não havia ninguém por lá, exceto mendigos dormindo, e alguns
drogados. Procurou uma área deserta, e se livrou do dele no mar. Então ligou
pra Muriel:
- Fala novata! ( Ainda não tinha
perdido essa mania, que Dara achava particularmente chata )
- Preciso te ver, em meia hora na
minha casa.
- Tá bem.
Ao chegar ao apartamento a
pequena vampira estava esperando no sofá.
- E como sempre, você me chama
pra pagar o fogo, o que houve agora?
- Não te chamei pra fazer nada,
sei me virar sozinha. Só queria pedir sua opinião.
Ela abriu seu sorriso doce, com
suaves linhas de expressão ao lado da boca, e uma pequena covinha, apenas do
lado esquerdo. Parecia o tipo de mulher que inspirava sentidos de proteção.
- É claro que sabe. O que houve?
- Um humano, irmão do cara que
morreu junto com meus pais. Apareceu aqui ontem, veio dizer que estava
investigando por conta própria os assassinatos, porque não estava satisfeito
com o trabalho da policia, me chamou para ajuda-lo.
- É claro que você o
despachou não é?
Dara andou até a janela, e
respondeu enquanto observava a rua vazia.
- Não pude, não ia mata-lo sem
uma boa razão, e eu realmente gostaria de encontrar o vampiro que criou toda
essa situação.
Dessa vez Muriel não sorriu.
- Eu já mandei você parar com
essa idiotice de “matar por uma razão”, eles são presa, se está com sede mate,
se te incomodam ou ameaçam te expor, mate também. Você não é mais um deles.
Além do mais, nós duas investigamos, e não conseguimos nada. Esse vampiro deve
ser muito velho, e deve estar muito longe daqui, se não eu já teria achado.
- Quero procurar mais, e não
deveria fazer isso com esse cara, mas ele tem dinheiro, muito dinheiro, sei que
fiquei com muito também do seguro, mas ele pode ajudar. Só não sei como vou
manter meu segredo com ele.
Muriel revirou os olhos.
- Você já sabe o que fazer, não
me encha mais com conversas sobre esse cara, estou indo.
Abraços, até a próxima!
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